Consistência
sons de flashback
O ano é 2009. Tenho 14 anos. Chegando o aniversário de 15. Tudo o que mais quero é um intercâmbio pro Canada. Só um mês. Praticar inglês, conhecer gente nova, ver neve. Ver o mundo. Não vai dar. Não tem grana. Mãe e Pai trabalham mais do que aguentam, mas só cabe educação e alimentação no orçamento. E uma festa? Também não rola. Ok, eu nem queria de verdade, seria um prêmio de consolação. Consolação por consolação podemos pensar em outra coisa.
Que tal livros? Sim, livros! Entramos no carro, rumo às livrarias Curitiba do Shopping Palladium. Saio de lá com várias coisas de baixo do braço. Se pudesse levava bem mais, mas mãe falou que chega. E pra ser sincera eu já tava escolhendo por gula. O que eu queria mesmo já estavam indo pra casa comigo.
E o intercambio? Bom, eu não sei se você sabe, mas eu não sou do tipo que se contenta. Já estou com um plano em prática: mudar pro Canadá. Como? Um trabalho no exterior. E pra conseguir um desses, tem que entender de computador. Com uma apostilha básica de Hardware e toda a pesquisa possível, começo a tentar desvendar essa máquina.
Abro a CPU só pra olhar, sem encostar em nada com medo da surra que viria se o computador estragasse (e mais ainda o medo de ficar sem por não saber se tem dinheiro pra comprar outro). Além disso, HTML e CSS e futucar em tema de tumblr e blogspot. Piratear Photoshop. Começar a usar linux. Aprender a usar software livre. Arriscar alguns banners pro meu blog. Estudar tudo de matemática básica de novo e no caminho apaixonar-se por física. Tenho medo da grade e da nota de corte de Engenharia da Computação. Consegui vaga, mas aí já tinha descoberto Sistemas de Informação e as matérias de Gestão me deixam mais interessada.
É 2012/2. Sou caloura na UTFPR. A universidade está em greve. Aguardo ansiosamente o começo das aulas, enquanto trabalho dando aulas de inglês e estudo o básico de C. Não queria chegar sem saber nada. Mas aquilo tudo era bem complicado pra mim. O livro era chato. A maneira como era ensinada era difícil. Eu não conheço meu estilo de aprendizado ainda. As aulas começam. Eu consigo acompanhar bem, porque já estudei antes. Isso me deixa com ego inflado e ao invés de entender que estava me dando bem porque tinha estudado, acho que é porque tenho facilidade com o negócio. Tenho vários professores incríveis e maravilhosos, mas tem alguma coisa fora do lugar. Eu não tenho nem um pouco de facilidade com esse negócio. Eu estava fora do lugar. Isso aí de ficar o dia todo encarando o compilador, não é pra mim. Quando a gente pensa nas pessoas que vão usar esse sistema? Faço alguns amigos em Design.
É 2014 (ou 2015, não tenho certeza). Aparece uma oportunidade de freela de marketing web. Eu aceito, já não estava mais dando aulas, o dinheiro vem em ótima hora e posso aprender algo novo. Cadastro todos os produtos no sistema. Trabalho repetitivo, mas fácil. O freela evolui: agora é presencial, vão me ensinar Photoshop. Aprendo fotografia, aprendo edição de imagem avançada, estudo como funciona o Google, aprendo a fazer SEO. Não sabia se largava a faculdade ou se me formava. Minha mãe sempre disse que designer não ganha bem. Tentei mais um pouco. Peguei algumas matérias. Me inscrevi no Ciência Sem Fronteiras pra Irlanda.
Fui selecionada.
No contrato diz que se eu for tenho que me formar em SI. Cacete… E agora?
Recebo uma mensagem no facebook de parabéns. É a coordenadora do projeto na Irlanda.
Abro a mensagem e leio correndo. Se eu a encarar por muito tempo, ela vai saber o que estou sentindo.
No contrato diz que eu tenho que me formar em SI. No contrato diz que eu tenho que me formar em SI. No contrato diz que eu tenho que me formar em SI.
Eu não quero me formar em SI. Eu to no lugar errado.
É 2015. Eu não finalizo o processo do CsF. Eu não cancelo o processo do CsF. Eu deixo o prazo vencer, fingindo que não está me doendo em todos os lugares possíveis. Abandono completamente as aulas e a vontade de fazer qualquer coisa. Vou pra faculdade ficar sentada no RU pintando a unha e conversando. Me sinto uma falha. Uma covarde. Mato trabalho pra não fazer nada. Sou demitida. Me sinto aliviada, já não estava aprendendo nada lá. O dinheiro aperta. O que é esse projeto chamado BEPID? Um e-mail, Falo que sou aluna de Sistemas de Informação, pois aparentemente esse projeto é só para essas pessoas. "Turma nova apenas em 2017". Uma esperança. Tem mais um ano. Da pra mudar de graduação. Me inscrevo no ENEM. Estudo de novo. Procuro Design em todas as faculdades. Tropeço em Design Digital na PUCPR. Tem duas matérias de programação. É o suficiente. Eu vou entrar no BEPID.
É 2016/2. Começam as aulas da faculdade. Minha turma é muito diferente de mim. Não estou acostumada com essa galera. Ufa, os parceiros de bar! Me identifico com os professores, com os projetos, com as discussões. No primeiro semestre me apaixono por Design Informacional, um professor esquisito sempre de óculos escuros, vai entender. Leitura recomendada e feita: A sintaxe da linguagem visual. Muitas outras coisas interessantes. Estou aprendendo a desenhar, a projetar graficamente, a representar 3D com código, a pensar design e história da arte. Me apresentam o conceito de ciberespaço — Meu deus, o que é esse curso? Primeiro semestre acabou, férias!
10 de Dezembro de 2016. "A turma BEPiD 2017/2018 está confirmada". Lá vamos nós! Inscrição, prova, hackathon, entrevista. Me preparo pra todas as etapas. Peço dicas pra todo mundo. Até ensaio minhas respostas. Respira fundo. Eu vou entrar no BEPID. Após a entrevista, encontro o professor de programação no corredor, ele me elogia pro coordenador do projeto. Meu deus… Tá tudo dando certo. Esse vídeo: https://vimeo.com/205237045. "Parabéns, você foi aprovado!"
Eu vou entrar no BEPID!!!!!!!
"Agora se acalme e LEIA TUDO!". Ufa. Eu vou entrar no BEPID.
2017. BEPID. Equipamentos. WWDC. Phew. Califórnia. Ambassador. Senses. SPACE Squad. Devigner. Faculdade parece um peso, bom mesmo é quando da pra conectar as coisas com a Academy.
2018. Apple Developer Academy. Sermão daquele cara de óculos escuros por levar as matérias de vídeo de qualquer jeito — que saco, ele não me entende. Codando Juntas. Burnout. Uma oferta de ajuda. Espaço pra crescer e curar.
2019. Mentora Junior. Professores da Faculdade são maravilhosos, me dão vontade de continuar, mesmo quando tá tudo mais difícil. Felicidades. Conquistas. Dor. Aprendizado. Realização extrema de fazer parte dessa nova construção da Academy. Oportunidades. Falhas. Aprender a falhar. Se perder. Se achar. Se perder de novo. Frustrar-se com o próprio idealismo. Medo de ter Burnout de novo. Apoio. Preciso conhecer coisas novas, preciso tirar essa dúvida de uma vez por todas, preciso de um estágio como programadora.
2020. Academy e EBANX. Adiar o TCC pra semestre que vem. Nossa, dá pra fazer isso tudo com dados? Sentir que está falhando com o cargo de responsabilidade que foi dado. Pandemia. Demissão. Depois eu lido com isso, essa semana é maratona do DataCamp. Agora apenas Academy. Dor. Tristeza. Aprendizado. Falhas. Uma oportunidade de gerenciar uma equipe maravilhosa. Três meses de graça no DataCamp. Python. Estatística. Machine Learning. Ok, preciso fazer o TCC agora: quero fazer o que essas pessoas estão fazendo com aquele mesmo cara dos óculos escuros. Explorando como ser VJ. Encontrando um espaço pra contribuir com o que eu tenho de melhor na Academy.
27 de Setembro de 2020. Entrego a primeira etapa da minha pesquisa sobre Redes Sociais, Arte e Política — meu TCC. Finalmente. A construção de um projeto que é plenamente eu. Meu Black Mirror particular.
Não sei se cheguei a ler todos os livros que comprei naquele dia, lá em 2009. Os do Dan Brown sim, demorei um bom tempo inclusive. Mas os outros? Pra ser bem sincera não lembro quantos e nem quais eram. Talvez algum da Meg Cabot, talvez algum da Agatha Christie. Apesar das muitas lacunas na memória, lembro vividamente de estar na livraria abismada com as possibilidades. E de sair ainda mais feliz do que entrei. Será sempre o melhor presente que ganhei na vida.
Eu cresci achando que era uma pessoa que desistia fácil das coisas. Hoje, com 25 anos e ainda alimentando esse plano de ter um emprego remoto e viajar o mundo, vejo que não é verdade. Eu gosto de variedade. Prefiro ambientes e pessoas dinâmicas, que mudam e se atualizam. Que nunca tinham feito nada de arte e hoje tem um trampo autoral sensacional e extremamente único. Espaços e temas que sempre apresentam desafios.
No fundo, eu sou uma pessoa de planos a longo prazo. Quick-fix não é pra mim. Gosto de bases sólidas, e gosto de experimentar. Gosto de mudar, virar tudo de ponta cabeça e aprender constantemente, e ter aquele lugar seguro pra retornar. Acho que daí nasce minha paixão pela Educação. Uma boa educadora deve se manter em constante atualização.
Nesse momento da minha vida, eu estou apaixonada pelo Cavaco, por yoga, pelas possibilidades de aplicação de ciência de dados, e pelo encontro de arte, política e tecnologia. Uma mistura de tudo que eu já vi e vivi ate hoje.
Amanhã? Como diria meu pai: Quem é que sabe.